Os policiais militares Bruno Rafael da Silva e Wilson Luiz Pereira de Brito Júnior devem ir a júri acusados de matar o jovem Chris Wallace da Silva, que tinha câncer, em decorrência de uma abordagem policial, em Goiânia, de acordo com uma decisão da Justiça. Chris ficou seis dias em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) após ser agredido na cabeça pelos PMs. Os policiais chegaram a ficar presos durante cinco meses em um presídio militar. Cabe recurso da decisão.
A decisão de que os PMs passem por júri foi publicada na última segunda-feira (24), pela desembargadora Carmecy Rosa Maria Alves de Oliveira. Ela acolheu o parecer do Ministério Público de Goiás (MPGO), que entrou com recurso contra uma decisão que tinha desclassificado a conduta inicialmente imputada aos réus, de homicídio qualificado, para o delito de lesão corporal seguida de morte.
“De tudo somado, presente a materialidade e indícios de autoria delitiva, bem como não havendo prova segura quanto a ausência do animus necandi [intenção de matar] dos réus que devem ser submetidos ao Conselho dos jurados, juízes naturais dos delitos praticados contra a vida, prevalecendo o princípio in dubio pro societate [na dúvida, cabe à sociedade]”, entendeu.
O g1 não localizou a defesa dos policiais militares até a última atualização desta reportagem. Eles trocaram de advogado durante o processo.
O advogado Emanuel Rodrigues, que fazia a defesa da família de Chris anteriormente, explicou a decisão da Justiça. Ele disse que somente o Tribunal do Júri poderá desclassificar a conduta dos PMs.
“Somente o Tribunal do Júri pode desclassificar a conduta dos PMs, caso os jurados entendam que eles não tiveram a intenção de matar e também não assumiram o risco de matar ao bater em alguém que tinha câncer nos ossos após serem avisados dessa situação. Cabe à sociedade decidir. Por isso, o princípio usado ‘in dúbio pro societate’, que significa ‘na dúvida, cabe a sociedade’”, explicou.
Processo na Justiça
Antes disso, em 19 de agosto de 2022, o juiz Eduardo Pio Mascarenhas tinha entendido que os militares não tiveram a intenção de matar Chris Wallace e, por isso, tinha mudado a classificação do crime de homicídio para lesão corporal.
Deixando de responder por homicídio simples, que tem pena de 6 a 20 anos de prisão, os militares poderiam ser condenados a pena mais branda, de 4 a 12 anos.
A mudança na tipificação do crime se deu após a Justiça entender que, após a abordagem dos policiais, Chris deixou o local andando, “não havendo indicação de comprometimento neurológico”.
“Não há elementos que comprovem que os réus agrediram com intenção homicida, já que até aquele momento a vítima não demonstrou estar com alguma lesão neurológica. Não houve perseguição, pelo contrário, após as supostas agressões, os réus a liberaram da abordagem, não prosseguiram com alguma ação que eventualmente pudesse desencadear a morte da vítima”, ponderou o magistrado.
Contudo, última na segunda-feira, os desembargadores votaram o novo recurso do MP, e decidiram mandar os réus a júri. A desembargadora Carmecy ponderou que no Laudo de Perícia Criminal e no Exame Cadavérico constam que a morte do rapaz foi causada por traumatismo cranioencefálico provocado por ação contundente.
“No tocante aos indícios de autoria do crime, denota-se que também restaram demonstrados, em face dos depoimentos das testemunhas ouvidas na fase judicial, as quais apontaram os réus como os autores das agressões que culminaram na morte da vítima Chris Wallace”, descreveu a desembargadora.
Morte após abordagem
Chris Wallace foi abordado e espancado com socos, chutes e pancadas de cassetete pelos policiais, em 10 de novembro de 2021. O relatório médico atestou que ele teve traumatismo na cabeça por espancamento, contusões no abdômen e nos pulmões.
Chris tinha saído de casa para ir a uma distribuidora de bebidas comprar refrigerante, no Residencial Fidélis. Na rua de casa, ele foi abordado e agredido pelos PMs, segundo a investigação.
Por causa da gravidade dos ferimentos, o jovem precisou ser internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas não resistiu e morreu seis dias depois.
A família disse que ele lutava contra um câncer nos ossos, chamado mieloma múltiplo, há cerca de 10 anos. O boletim de ocorrência conta que o rapaz teria dito aos PMs que tinha câncer e pediu para não ser agredido por causa da saúde fragilizada. Contudo, conforme o inquérito, a agressão continuou.
À época, a mãe contou ainda que o filho chegou em casa e correu para o banheiro, onde teve crises convulsivas e vomitou sangue. Uma ambulância foi chamada pela família e levou o rapaz ao hospital.
Os PMs ficaram presos em presídio militar por cinco meses, entre 10 de dezembro de 2021 e 11 de maio deste ano. O Ministério Público pediu a prisão preventiva no momento que fez a denúncia por homicídio, para que eles não ameaçassem testemunhas do processo, que optaram por falar em sigilo.
*As informações são do G1.