O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu uma terceira via no julgamento do piso da enfermagem. Nesta sexta-feira (23/6), ao devolver a vista do processo, o ministro acompanhou em parte o voto conjunto do relator Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, e inovou ao propor que o piso deve ser regionalizado para funcionários celetistas.
Dias Toffoli diz buscar uma visão mais ampliada da autonomia sindical na fixação do piso salarial da enfermagem. “Entendo que esse piso deve ser fixado de forma regionalizada, mediante negociação coletiva nas diferentes bases territoriais e nas respectivas datas bases, privilegiando-se, a um só tempo, a autonomia sindical, a liberdade econômica dos empregadores da saúde e as peculiaridades regionais”, escreve o ministro. Leia a íntegra do voto de Dias Toffoli sobre o piso da enfermagem.
Para Dias Toffoli, deve prevalecer o negociado sobre o legislado, tendo em vista a preocupação com eventuais demissões e o caráter essencial do serviço de saúde. Sendo frustrada a negociação coletiva, caberá dissídio coletivo, de comum acordo, ou, independentemente deste, em caso de paralisação momentânea dos serviços promovida por qualquer das partes.
Não obstante o piso salarial federal tenha sido fixado no intuito de valorizar os profissionais de enfermagem – os quais, de fato, merecem uma justa retribuição pelos serviços que prestam à sociedade –, ele tem a aptidão de gerar o efeito contrário: a desvalorização da categoria, mediante a queda da sua empregabilidade”, afirma Dias Toffoli.
O ministro cita o prognóstico apresentado pela Federação Brasileira de Hospitais, que considera preocupante: “a LCA [Consultoria em Economia LCA] estima que as entidades empresariais com fins lucrativos desligariam 79.361 empregados e as entidades sem fins lucrativos, 85.604. No total, seriam 164.966 demissões 12,8% do número total de profissionais da enfermagem”.
Dias Toffoli pondera que a fixação do piso salarial dos profissionais de enfermagem pela lei questionada desconsiderou as diferenças salariais regionais. “Por exemplo, ao passo que a observância do novo piso salarial dos enfermeiros no estado de São Paulo significaria um aumento salarial médio de apenas 10%, no Acre o incremento equivaleria a 126%”, afirma.
“Reconheço a importância de se fixar um piso salarial digno para a categoria, que funcione como justa retribuição por serviço tão relevante e desafiante, conforme pudemos testemunhar durante a pandemia da Covid19. No entanto, isso deve ser feito com responsabilidade”, diz o ministro em seu voto.
O ministro considera que “as diferentes unidades federativas apresentam realidades bastantes díspares no que tange às médias salariais dos empregados do setor de enfermagem, sendo também diversas a estrutura, a dimensão e a solidez da rede de saúde privada em cada UF, o que atrai a necessidade de que os pisos salariais da categoria sejam definidos regionalmente, em cada base territorial, seguindo-se as respectivas datas-base”.
Outro ponto que diferencia o voto de Dias Toffoli do de Barroso e Gilmar Mendes é um acréscimo relativo à da abrangência do piso salarial para os estatutários. “No que tange aos servidores públicos, o piso é o patamar mínimo para a fixação da remuneração , e não do vencimento básico”, afirma o ministro.
“Por último, observo que, no dispositivo do voto conjunto apresentado, a possibilidade de redução da remuneração proporcionalmente à jornada de trabalho foi inserida no item ii (especificamente no tópico ii.c), o qual se refere aos servidores públicos dos Estados, Distrito Federal e Municípios. No entanto, o entendimento aplica-se a todos os servidores e também para os celetistas”, avalia Toffoli, que acompanha o voto de Barroso e Gilmar Mendes no restante.
O julgamento do piso da enfermagem transcorre no plenário virtual do STF e está previsto para acabar às 23h59 da próxima sexta-feira (30/6). Até lá qualquer ministro pode pedir vista ou destaque.
O voto de Barroso e Gilmar Mendes sobre o piso da enfermagem
Na sexta-feira da semana passada (16/6), o ministro-relator, Luís Roberto Barroso, juntou um voto complementar conjunto com o decano Gilmar Mendes — um movimento inédito na Corte — em que foram elencadas diversas diretrizes para a implementação da remuneração básica prevista pela Lei 14.434/2022. Além disso, os ministros fecham a porta para futuros pisos nacionais de outras categorias. Minutos depois, o julgamento havia sido interrompido pelo pedido de vista de Dias Toffoli.
De acordo com os ministros, a implementação do piso nacional da enfermagem deverá “ser precedida de negociação coletiva entre as partes, como exigência procedimental imprescindível, levando em conta a preocupação com demissões em massa ou prejuízos para os serviços de saúde”.
“A ideia é admitir acordos, contratos e convenções coletivas que versem sobre o piso salarial previsto na Lei nº 14.434/2022, a fim de possibilitar a adequação do piso salarial à realidade dos diferentes hospitais e entidades de saúde pelo país. Atenua-se, assim, o risco de externalidades negativas, especialmente demissões em massa e prejuízo aos serviços de saúde”, escrevem os ministros.